A partir de uma definição ampla de Estética, sinestesia visual, auditiva, sonora e tátil, serão abordados aqui temas ligados, sobretudo, às manifestações religiosas, míticas e artísticas. Imagens, metáforas, poéticas, como ilustrações e reflexos humanos no mundo e no Outro Mundo, também conhecido como Elphame.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

A estética do movimento - Parte II



Os sentidos dos vivos e dos deuses

O clássico da Antropologia das Religiões, O Ramo de Ouro, de James Frazer remete-se profusamente à relação intrínseca entre o humano e o mundo da natureza. Assim, como Frazer, também Guinzburg em seu estudo sobre os benandanti, observou o mundo de metáforas e imagens poéticas fundamentais para ilustrar este universo fantástico dos ciclos sazonais. Estes ritos agrários/fúnebres não eram meramente repetidos mecanicamente, toda uma encenação e construção imagética e estética era imprescindível ao bom andamento mágico e devia ser recriada a cada novo evento. Há toda uma estética que remete ao movimento próprio à natureza, que mesmo repetindo é sempre inédita. Começa assim Frazer no capítulo dedicado ao mito do Rei Imolado, Adônis:

“ O espetáculo das grandes mudanças por que passa anualmente a face da terra impressionou profundamente a mente dos homens, em todos os tempos, e os levou a meditar sobre as causas de tão vastas e maravilhosas transformações. Sua curiosidade não era totalmente desinteressada, pois nem mesmo o selvagem  pode deixar de perceber quão íntima é a relação de sua própria vida com a vida da natureza, e como os mesmos processos que congelam o regato e despem a terra da vegetação ameaçam-no de extinção. Num certo estágio de seu desenvolvimento, os homens parecem ter imaginado que estavam em suas mãos os meios de evitar a calamidade potencial e que podiam apressar ou retardar a marcha das estações pela arte da magia. Assim sendo, realizaram cerimônias e recitaram fórmulas mágicas para fazer a chuva cair, o sol brilhar, os animais se multiplicarem e os frutos da terra crescerem” (p. 122)

Que fórmulas mágicas eram essas senão poesia? A poesia é a linguagem dos magos, dos filhos da Musa, como afirma Robert Graves em A Deusa Branca. E as cerimônias são a encenação das sensações, das sinestesias advindas da vida na natureza. A mimeses, o ato de imitar como forma de comunicação mágica, justifica a máscara ritual, os chifres. Justifica a imolação do Rei para regar os campos com seu sangue, assim como no mito de Adônis, de Osisris ou de Átis. O Rei é mimeticamente a semente do carvalho, que cai na terra, apodrece, morre, dela renascendo.

Filme O Homem de Palha.

A poética das encenações rituais pagãs aparece nos hinos e cantos, como no do deus babilônico Tamuz, comparado às plantas que murcham rapidamente (FRAZER, p. 123):

“A tamarga que, no pomar, água não bebeu,
cuja copa nos campos não deitou flores,
o salgueiro que, à margem do regato, não se regozija
e cujas raízes foram arrancadas,
a erva que no jardim água não bebeu”.

A morte de Tamuz parece ter sido chorada anualmente ao som de flautas no solstício de verão. Parece que as “nênias” eram cantadas junto a uma efígie do deus morto, lavada com água pura, ungida com óleo e vestida de vermelho. Segundo Frazer, incenso era queimado como para estimular os sentidos adormecidos do deus com seu odor pungente e despertá-lo do sono da morte.

Continua...

Referências desta parte
FRAZER, James George. O ramo de ouro. Edição de Mary Douglas. Resumo e ilustração de Sabine MacCormack. São Paulo: Círculo do Livro, 1982.
GINZBURG, Carlo. Os andarilhos do bem: feitiçarias e cultos agrários nos séculos XVI e XVII. Trad. Jônas Batista Neto. São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
GRAVES, Robert. A Deusa Branca: uma gramática histórica do mito poético. Trad.: Bento de Lima. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

Sugestão de leitura:
Portugueses celebram rituais pagãos no Alentejo

2 comentários:

  1. Oi Lu. Estava lendo seu post e a sugestão de leitura, quando lembrei que não apenas no Alentejo, mas também no norte de Portugal há evidências de práticas rituais ancestrais pré-românicas. O norte de Portugal e toda a região da Galícia, antes da invasão romana, foram habitadoz pelos povos celtas e lá há muito indícios dessa presença. Eu estive num local muito mágico, ruinas de um povoado celta chamado Citania de Briteiros, em Guimarães. Em Santiago de Compostela também, parece que era um local mágico de práticas rituais já muito conhecido antes dos católicos se apropriarem do espaço e implantarem as suas tradições cristãs. Comprei lá uma bruxa. As bruxas são adoradas lá. Você iria adorar!

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  2. Oi Aninha! Sim, sou louca para ir a Portugal e especialmente à Galícia, e vou! São os planos para o Pós-Doutorado! Agradecida pelo comentário, breve posto a última parte do artigo. Beijos

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